terça-feira, 25 de dezembro de 2012

clara #5


clara continuava a travar sua interminável batalha com a vida. não digo essa batalha cotidiana de casa, comida, escola, roupa lavada, quarto ordenado. me refiro a batalha abstrata e filosófica, feita durante o café, da manhã ou da noite. clara sempre fora desajustada e intensa. amava demais, odiava demais, acreditava demais, bebia. agora clara queria reparar os anos de exacerbação com um comedimento artificial. falava baixo, reprimia opiniões, tinha medo de morrer. tudo falso. por isso evitava beber. clara então de relance se olhou no espelho e com espanto viu que voltava a ser, aos poucos, na míngua de cada dia, a assustada criança que tinha medo do diabo e pedia que deus não desse fim do mundo.pra piorar tudo, clara deixara de crer em deus. refém de si mesma, clara torceu para que o mundo não acabasse. clara ainda queria viver. outra vez e de novo. ela ainda crê que uma hora acerta o caminho. 


terça-feira, 4 de setembro de 2012

clara #4



e naquela tarde após planos frustrados, clara enfim desencantou.
                                                          clara enfim desencantou.

aquele aguardado momento havia chegado. clara sofria já há tempos de uma abstinência de palavras. foi em vão que as batalhas se travaram. as ideias simplesmente não fluíam. aquele fluxo narrativo, velho companheiro de clara, teimava em não sussurrar as desejadas palavras.

vale ressaltar que quando feitas por encomenda, frutos de horas e horas com suas nádegas macias – clara preferia descrevê-las como sendo macias, em detrimento da flacidez exuberante – afundadas na cadeira dura, as palavras por fim transbordavam. clara, em sua arrogância não declarada, se achava tão mestre quanto outros mestres por aí. clara contudo era humilde e agradecia a estes que em um passado recente pagavam suas contas.

a noite clara custou dormir. em silêncio, clara entendeu que o desencanto havia chegado no momento certo. das outras vezes ela não estava verdadeiramente pronta. apesar dos cabelos em permanente desalinho – culpa destes ventos, quentes, secos – e dos pés no chinelo, clara sabia que lá dentro algo tinha mudado. os pés agora livres em um chinelo, eram os pés que se apertavam em sapatos quentes e suados, em horas intermináveis de trabalho. clara conseguiu inclusive admitir o retorno de um vestido curto e fresco, naquelas tardes quentes. a pressão exercida pelos olhares famintos na rua a impediam.  sua fobia social, seu asco ao ultrajante simplesmente não permitia. sim, sim, clara continuava a fugir de todas as pessoas que lhe exasperavam. clara passava, dias e dias assim, sem querer ver ninguém. absorta em planos e ideias e narrativas peculiares de sua solidão.

vale ressaltar que a despeito de todo seu desprezo pelo convívio social, clara tinha boas companhias. outras cabeças - repletas de - vento, outras almas movidas a fogo. clara tinha boas companhias.


agora, clara estava tranquila. a narrativa insana na qual ela estava constantemente mergulhada soprava em seus olhos o desenho das letras que outrora embaralhadas, agora tinham o tom do céu do mar. clara ama o mar. clara ama o céu. clara ama olhar o céu e o mar juntos. clara ainda acredita que céu e mar – seus maiores amores, seu mais profundo temor – se encontram no ponto exato onde já não mais seus olhos mortais distinguem, ar e água.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

clara #3

Júlia sempre discorria acerca da dificuldade em escolher. Escolher é perder, não cansava de reafirmar a titubeante Júlia. Clara, por sua vez, diante do restrito cardápio do cotidiano, a isto não dava alarde. Determinista, racional.

cabeça insana perdida em devaneios. determinada a apregoar ilusões. consciente de sua latente contradição. contraditória.

Clara agora tinha a sua frente diversos pratos a serem degustados. E enfim ela se lembrou da titubeante Júlia. Vale destacar, que Júlia a menina da cabeça de água, sempre flutuante, frente águas mais quentes foi habitar em outro continente. Nada que um ônibus saculejante não resolva. Nada que uma titubeante e insegura Clara possa fazer. A menina da cabeça d’água ainda não percebeu a imensa falta que ela faz a Clara. Será então que Júlia ainda lembra desta esvoaçante Clara?

A felicidade adiada. A felicidade na praia. A felicidade na graduação. No mestrado. No emprego. Na promoção. Na geladeira. Na máquina de lavar a roupa. No namorado. No namorado escolhido, perfeito, programado. Na conta paga, a cama feita, a roupa lavada, a mesa posta. O filho rindo, de banho tomado, de barriga cheia. Na beleza. Na magreza. O cabelo arrumado, a roupa da moda, a perna depilada. A cara limpa, o banho quente, o conforto. A mediocridade. O padrão. O pequeno burguês. O necessário?

O confronto das emoções. Uma descarga incontrolável das emoções. O irracional. O sonho, a narrativa. O romance. O eu, a música e o tabaco. Entre a cafeína e o álcool pouca diferença há - nesta medíocre opinião. Ambos são ópios palatáveis. A clareza de que facilmente este devaneio ébrio seria facilmente substituído por uma boa foda, por que afinal, ser fudida as vezes é muito bom. A devassa. 

Clara então se confunde. Afinal, Júlia sempre teve razão: escolher é perder. Clara não se sabe, não se conhece, não se decide entre ser ou estar, entre ir e ficar. Clara só se sabe só. Só e flamenguista. Num ano que o mengão, botou pra fuder. No mau termo da palavra, que fique claro.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

estômago - segundo capítulo

enfim o vinho. as lágrimas saltam grossas, robustas pela face. madrugada. frio no pé. o exercício do expurgo ( tão fugidio, tão necessário,tão subjetivo).

                           chico, criolo, café, caetano, colo, cafuné, cigarro. outro engano.

diálogos solitários intermináveis, remoendo cicatrizes infinitas. talvez incuráveis.

ilusões imbecis solitariamente tecidas. madrugadas (outrora repletas de telefonemas indecifráveis).

[textos extremamente subjetivos tecidos de maneira egoísta em dias de verão (hoje, porém, outono) sem culpa ou remorso]

o pior é ser incapaz de escrever, de externar meus sentimentos [típica frase de velório. “fui até a casa de godofredo externar meus sentimentos à família pelo seu falecimento”. (sim, eu sei que não se usa mais crase na nova ortografia brasileira. fodam-se as regras, acredito ter licença poética para ser ultrapassada).

tudo parece distante, longínquo. queria gritar, nua no portão da sua casa, o tamanho da minha consternação. indignada (não, em nada minha indignação se compara aos lutadores - mundo adentro, mundo afora – que ousam contra o capitalismo), ainda presa a um sonho fantasma que eu mesma criei. queria lhe dizer que nada entendi. esta cena porém, reservo à atriz principal, digna de seu papel medíocre.

sim querido, eu sou mesquinha. sempre lhe disse que era má. você também o é. 

                                                                          [lhe faltam amor próprio e orgulho]

saltitam em mim, doces doses de cabernet sauvignon. juntas, saltitam doses nada doces de rancor, mágoa e inferioridade (já disse nesse mesmo parágrafo que sou mesquinha. talvez eu também seja medíocre. talvez por isso preferistes outrora a mesquinha já costumeira).

[repetidamente me envergonho, de sentimentos tão estapafúrdios]

p.s.: e clara enfim se revela. podre, bêbada, fumando como a puta que acusam tabagista (não serei eu afinal, a puta?) 

clara jamais entenderá o que se sucedeu entre ela própria e Pigmeu (alusão indevida à altura de seu romeu). ela, porém não deseja ofender a nenhuma Ninfeta (alusão devida à oficial julieta). este texto malfadado é apenas mais um vômito.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

cenas incongruentes de uma quarta feira de cinzas

de novo aquela dor no estômago. dor maldita, ânsia de vômito, desespero.
semana passada eram borboletas a saltitar pelo meu corpo, a fazer minhas pernas dançarem aquele remelexo estranho que tenho ao andar feliz pelas ruas fétidas da rodoviária.
você sabe quanto tempo eu esperei? sim, sim eu sei, você também esperou.

idiota! isso não é um jogo de futebol, onde se precisa jogar, onde se joga na defensiva.
idiota! isso não é um mar de amor, no qual você abre os braços e se joga.

e qual é a síntese então? qual é a certa medida, qual é o peso, qual é por favor, qual é a atitude certa? me perdoe, me perdi nos sentimentos e nesse texto.

                                                           perdi também o rumo pra ti? o que mais eu perdi?

sábado, 21 de janeiro de 2012

pequeno ensaio de uma breguice sentimental

hoje eu me permito ser brega. mais do que de costume, diriam as vozes da minha platéia imaginária. de modo displicente eu lhes diria que pouco me importa sua opinião mesquinha. talvez eu seja até clichê. apesar de odiá-los profundamente, concluí que em momentos de breguice exacerbada, os clichês são as armas dos tolos (apaixonados?).

a única coisa que conta hoje é que eu queria ter asas. o vôo seria longo, cansativo, mas a certeza de me chegar no aconchego dos teus braços dissiparia de imediato a fadiga da viagem. talvez eu chegasse mais uma vez de pijamas. talvez eu chegasse nua. cabelos em desalinho, uma vontade louca de falar. vontade ainda maior de te possuir (sim posse. não vou discutir aqui o meu conceito de posse, acho que você entendeu).

não posso voar, jamais iremos descobrir.

no quintal vazio da casa a chuva encharca meus cabelos, calafrios. não é frio. a chuva quente remete ao seu chuveiro. calor. água sacana que percorre meu corpo. já não tenho clareza de onde foram parar minhas mãos. suas mãos?. ciúmes. (ciúmes de nosso sexo bom debaixo do chuveiro). tesão. saudade.


[clara chegou em casa (sim, eu sei que 
parece uma daquelas frases com as quais 
aprendemos a ler).
mala no chão, dentes limpos, janela aberta.
"o pijama fica pra outra ocasião. 
o vento hoje fará morada em mim".
o ar fresco que entra pela janela faz clara resmungar
- vento, vento! do que me adianta se não posso voar?
clara, idiota, senta na cama e põe-se a pensar: fácil
seria sair da lama se eu somente pudesse voar.


tenho medo, feridas e cicatrizes (clichê).
sei que você também tem. nada disso realmente importa. (clichê de novo). 

não faço mesmo a menor idéia de onde tudo isso vai dar. como já disse, eu só queria
poder voar e ocupar sua cama. na impossibilidade de tal fato, conto nos dedos quantos dias faltam pra poder te ver (eu tenho um método eficiente de contar os dias, você sabe). a despeito do relógio me pirraçar com seu tique e taque em sentido anti-horário, espero (desespero!!) o dia que a gente vai se topar. perigoso até eu tropeçar só de ver seu sorriso. espero não quebrar nada dessa vez. se eu quebrar me perdoe..sou destrambelhada mesmo.

p.s.: sabe o que eu queria te dizer? promete fingir que não leu?

construamos juntos um caminho, para algum lugar onde a distância não seja nosso tema. onde, sendo eu de esquerda, muito de esquerda, possamos confabular no escuro do quarto os rumos da revolução (brasileira, latino-americana, internacional). foda-se que eu sou militante. sou muito mais sexy por isso, você não acha? não cairia bem a uma donzela essas suas camisetas com um punho em riste. sei até combina-las com uma calcinha sexy.

fodam-se todos os parâmetros pré-estabelecidos. façamos algo novo, nosso.

p.s.2: lost in the middle of nowhere. i ain’t have no idea of what happened. suddenly i found myself with no words to explain what i really mean. what the fuck did i do? what the fuck you did with me?
  
you treat me like i’m a princess
i’m not used to liking thaaat
(…)
don’t be alarmed if i fall head over feet
(..)
it’s all your faullttt

e a maria agradece por me ter na vida dela cantando. e eu assumo aqui a parcela de culpa que me cabe neste latifúndio de sentimentos confusos. o resto é por sua conta.  

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

clara #2


clara abriu as janelas de casa. o ar fresco encheu o quarto espalhando o cheiro ácido do sexo farto da noite anterior. o cabelo em desalinho, o corpo nu, o cigarro tão necessário. ele dorme, o filho dorme. a cidade lá fora corre apressada. (clara aos poucos se vai pela janela, ver outras paisagens, planar com as gaivotas).

clara abre os olhos. foi só mais um devaneio fútil em plena luz do dia.