terça-feira, 4 de setembro de 2012

clara #4



e naquela tarde após planos frustrados, clara enfim desencantou.
                                                          clara enfim desencantou.

aquele aguardado momento havia chegado. clara sofria já há tempos de uma abstinência de palavras. foi em vão que as batalhas se travaram. as ideias simplesmente não fluíam. aquele fluxo narrativo, velho companheiro de clara, teimava em não sussurrar as desejadas palavras.

vale ressaltar que quando feitas por encomenda, frutos de horas e horas com suas nádegas macias – clara preferia descrevê-las como sendo macias, em detrimento da flacidez exuberante – afundadas na cadeira dura, as palavras por fim transbordavam. clara, em sua arrogância não declarada, se achava tão mestre quanto outros mestres por aí. clara contudo era humilde e agradecia a estes que em um passado recente pagavam suas contas.

a noite clara custou dormir. em silêncio, clara entendeu que o desencanto havia chegado no momento certo. das outras vezes ela não estava verdadeiramente pronta. apesar dos cabelos em permanente desalinho – culpa destes ventos, quentes, secos – e dos pés no chinelo, clara sabia que lá dentro algo tinha mudado. os pés agora livres em um chinelo, eram os pés que se apertavam em sapatos quentes e suados, em horas intermináveis de trabalho. clara conseguiu inclusive admitir o retorno de um vestido curto e fresco, naquelas tardes quentes. a pressão exercida pelos olhares famintos na rua a impediam.  sua fobia social, seu asco ao ultrajante simplesmente não permitia. sim, sim, clara continuava a fugir de todas as pessoas que lhe exasperavam. clara passava, dias e dias assim, sem querer ver ninguém. absorta em planos e ideias e narrativas peculiares de sua solidão.

vale ressaltar que a despeito de todo seu desprezo pelo convívio social, clara tinha boas companhias. outras cabeças - repletas de - vento, outras almas movidas a fogo. clara tinha boas companhias.


agora, clara estava tranquila. a narrativa insana na qual ela estava constantemente mergulhada soprava em seus olhos o desenho das letras que outrora embaralhadas, agora tinham o tom do céu do mar. clara ama o mar. clara ama o céu. clara ama olhar o céu e o mar juntos. clara ainda acredita que céu e mar – seus maiores amores, seu mais profundo temor – se encontram no ponto exato onde já não mais seus olhos mortais distinguem, ar e água.

Nenhum comentário:

Postar um comentário