segunda-feira, 30 de maio de 2011

muppets

tirei o sapato. o chão estava áspero. tornei a calçar. estava apertado. decidi flutuar. fiquei com medo da excessiva sensação de liberdade (afinal, esse privilégio de flutuar não é algo cotidiano, se reserva aos momentos entorpecidos, entorpecentes, aos sonhos - lúcidos).

cotidiano. falaria dele. outro poeta me antecedeu (todo dia ela faz tudo sempre igual). não eu não faço tudo igual, mas isso em nada me distingue da amélia de outro versador (amélia não tinha a menor vaidade, amélia é que era mulher de verdade).  linhas descontínuas, rumo desconhecido, insegurança.

onde está o que controla a minha vida? 
(faz favor de cortar esses cordéis, não sou nenhuma marionete). 
e apesar da metáfora velha e batida, devolve aí o leme do barco da minha vida!

signos, tarô, marxismo, deus, ogum, oxum, santos (no atacado ou no varejo), terapia, ‘luzes’ acesas. nada disso funciona (o meu refrigerador não funciona eu tentei tudo eu tentei de tudo não funciona não, não, não o meu, o meu o meu refrigerador não funciona). nessa lista, não funciona fogão, máquina de lavar roupa, wireless. a boa educação não funciona. o diálogo então? faz tempo que os ouvidos estão nas axilas.


no mercado mais cedo, encontrei um cardápio. achei engraçado, pois acreditava que cardápio era coisa de restaurante. decidi não questionar (no mais das vezes, pequenas polêmicas não valem o esforço).

heroína. dom maternal. paraíso.casamento. filhos (sim filhos. filho único é mimado. ao menos dois você tem que ter. de preferência um casal para equilibrar o mundo). diploma. mestrado. doutorado. livros (bons livros. não me venha com paulo coelho). discos. música (boa música). um bom emprego (professor da rede pública de educação? ganhando quanto mesmo? definitivamente este não é um bom emprego). esquerda. sempre de esquerda. muito a esquerda (trotskista, sectária, divisionista... ih! rachou).

tudo era tão óbvio, tão fast food. desliguei a televisão. parei de questionar. apaguei a luz e calcei as meias. sim as meias. quentes e confortáveis e além do mais não apertam. o chão parece mais leve, olha só posso até escorregar, quase flutuar.

as coisas parecem agora mais calmas.
pés quentes, café quente, cama quente.
filho dorme. casa dorme. você dorme.

no silêncio da madrugada as cordas são cortadas.
suicídio?



domingo, 29 de maio de 2011

merthiolate


não, as minhas feridas não cicatrizaram, muito pelo contrário, com o frio elas gritam loucas e ensangüentadas por amor. velho clichê de que o tempo tudo cura (quanto tempo mesmo vai levar?) 

lembranças de infância, de frio, de correr de meia-calça, cair rasgar a meia, esfolar o joelho. minha mãe (terrível costureira) remendava a meia-calça. dois dias depois, novo tombo, novo rasgo, nova cicatriz (no joelho, na meia). ah pequena travessa, não aprendes jamais a lição. continuas a atravessar terrenos escorregadios, a correr e a cair. agora, além do joelho ferido (culpa do porre excessivo), tens aí ferido a metáfora dos amantes – pobre coração. minha mãe há tempos deixou de remendar minhas meias. jamais se disporá a remendar joelhos, fígados e outras partes corpóreas que por aí se acidentarem.

tudo bem, sem problemas, qualquer dia desses ao levar outro tombo, verei que tropeçei na razão. menina moleca de meia-calça, troca tudo por um bom juízo e a única meia-calça das quais se terá notícia figurarão delicadamente na cinta-liga do quarto escuro. sem feridas, remendos e cicatrizes.


a morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras.
José Saramago

quinta-feira, 19 de maio de 2011

sapatos



café frio. discussão quente. abraço vazio (abraço?) 
cabeça rodando, mundo parado, relógio saltando. 
dia, noite, madrugada. paredes (anti)térmicas, ônibus vazio, ausência de mim. 
o eu no outro, em si, perdido no meio do nós.
cheiro de lembranças que se esvaem.
o gosto do décimo cigarro do maço da manhã. 
o trago amargo da água quente de um bebedouro quebrado.

(sentimentos deveriam ser como sapatos. quando aperta demais, tira, guarda e corre descalça)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

nua

ah meu bem,quando você dança, balança, (des)cansa, seu corpo nos meus seios. arranha, seu cabelo em desalinho no ombro torto, caído, pendendo da janela. não, a porta não tem a culpa de ser estreita e de vazar por entre a madeira o sussurro ininteligível que você teima em transbordar pelas tabelas.
(“eu você nós dois, já temos um passado meu amor um violão guardado, aquela flor e outras mumunhas mais”)
(silêncio)
ah , o silêncio, tão diferente daquele outro estado de ausência do som. O silêncio, a respiração, o latejar das unhas, das entranhas. O suor frio na planta do pé quente. A gota salgada que teima em escorrer.

(riso)
 (“mexe qualquer coisa dentro, doida já qualquer coisa doida dentro mexe não se avexe não baião de dois deixe de manha”)

ah meu bem, o riso. tão diferente do sorriso, empalhado no rosto do esteta pós-moderno. o fruir do pulso, do riso, do gozo.

 (partida)
o olhar distraído perdido em cima do sol. os dedos involuntários que percorrem não se sabe o quê. uma gota d’água que empresta-nos sua poesia durante fios de conversa, que delicadamente se equilibram no doce duelo entre o ciúme e a abnegação. o silêncio.

(“esse papo seu já tá de manhã. berro pelo aterro pelo desterro berro por seu berro pelo seu erro quero que você ganhe que você me apanhe sou o seu bezerro gritando mamãe”).

Exaurida a chama do duelo, do cigarro, do café (que agora já esfriou) e por fim da escrita, “esse papo meu tá qualquer coisa e você tá pra lá de Teerã”.





sexta-feira, 13 de maio de 2011

estômago

faz um mês. andando na rua, correndo, fugindo, aperto no estômago, gosto amargo na boca. vômito. alívio imediato. oh céus! a maldita sujeira que o vômito deixou. dentes escovados, roupa de cama limpa, banho tomado. (o cheiro fétido permanece). tudo de novo. banho, dentes, roupa, cama, em outras ordens, seqüências. vazio, vazio, vazio. o pensamento difuso, sobressaltado, confuso, no meio da rua, da noite, do dia, de assalto sem aviso.  a ausência profunda do não ser, do amanhã, da noite na cama mal dormida, da noite não dormida. da foto com cara de velha, a despeito de ser assim tão (des)pretensiosamente nova (o tempo, ah o tempo, menino faceiro). a memória. a sim a culpa é dela, do cheiro, do gosto, do som (da ausência do som que nunca se iguala ao silêncio, só fica ali suspenso, esperando). nova ânsia, calafrios. um afago. ela. chega, senta no sofá e gentilmente me estende a caneca de café: ‘cheguei a tempo de te ver acordar, eu vim correndo à frente do sol, abri a porta e antes de entrar, revi a vida inteira (...) pensei no tempo e era tempo demais, você olhou sorrindo pra mim, me acenou um beijo de paz, virou minha cabeça.’ café turvo, cheiro de conhaque, só mais um delírio. só mais um fragmento de memória.