sapatos - parte 2

perdi meus sapatos.

simplesmente não consigo achá-los. 

ando distraída.

perco tudo.

há algum tempo atrás perdi o juízo. 

ele simplesmente foi embora.

(despediu-se em uma tarde chuvosa e melancólica, disse que não cabia mais em minha vida. esgueirou-se por entre as magras árvores da minha rua e sem olhar por sobre o ombro esvaiu-se. peço a gentileza de uma visita. sinto sua falta. raramente. mas sinto.)

perdi o medo. 

medo de ser (in)feliz, louca, mediana, revolucionária. perdi o medo dos rótulos. da ausência de rótulos que me caibam. perdi o medo da sua mesquinhez. perdi o medo de mim? 

(ainda não perdi o medo de pelegar. na verdade esses textos subjetivos me deixam sempre em crise. cadê a revolução escorrendo por cada linha deles? quer saber meu bem, a revolução anda safadamente se escondendo em lugares impuros e intocados.)

acho que perdi também a moral. aderi a sexta feira sem calcinha. uso vestidos curtos. ainda não uso vestidos curtos sem calcinha. deve ser o próximo passo.

 também não perdi o medo de andar por aí descalça.

onde estão meus sapatos?

(...)

sim.

agora lembro.

me despi lentamente.

vi pelo espelho seu olhar estarrecido.

foi com vigor que você me possuiu.

não foi só um vislumbre do desejado.

meus pés descalços são a prova.

(...)

venha. traga café com saliva e sol. traga cafuné. coloque meus sapatos do lado da cama. sente no sofá. vou me despir lentamente mais uma vez. dessa vez o tempo não vai ditar o ritmo. perdi o medo dele também.