e naquela tarde após
planos frustrados, clara enfim desencantou.
clara enfim
desencantou.
aquele aguardado momento
havia chegado. clara sofria já há tempos de uma abstinência de palavras. foi em
vão que as batalhas se travaram. as ideias simplesmente não fluíam. aquele
fluxo narrativo, velho companheiro de clara, teimava em não sussurrar as
desejadas palavras.
vale ressaltar que quando feitas por encomenda, frutos de horas e horas
com suas nádegas macias – clara preferia descrevê-las como sendo macias, em
detrimento da flacidez exuberante – afundadas na cadeira dura, as palavras por
fim transbordavam. clara, em sua arrogância não declarada, se achava tão mestre quanto outros mestres por aí. clara contudo era humilde e agradecia a estes
que em um passado recente pagavam suas contas.
a noite clara custou dormir.
em silêncio, clara entendeu que o desencanto havia chegado no momento certo.
das outras vezes ela não estava verdadeiramente pronta. apesar dos cabelos em
permanente desalinho – culpa destes ventos, quentes, secos – e dos pés no
chinelo, clara sabia que lá dentro algo tinha mudado. os pés agora livres em um
chinelo, eram os pés que se apertavam em sapatos quentes e suados, em horas
intermináveis de trabalho. clara conseguiu inclusive admitir o retorno de um
vestido curto e fresco, naquelas tardes quentes. a pressão exercida pelos
olhares famintos na rua a impediam. sua fobia social, seu asco ao
ultrajante simplesmente não permitia. sim, sim, clara continuava a fugir de
todas as pessoas que lhe exasperavam. clara passava, dias e dias assim, sem
querer ver ninguém. absorta em planos e ideias e narrativas peculiares de sua
solidão.
vale ressaltar que a despeito de todo seu
desprezo pelo convívio social, clara tinha boas companhias. outras cabeças - repletas
de - vento, outras almas movidas a fogo. clara tinha boas companhias.
agora, clara estava
tranquila. a narrativa insana na qual ela estava constantemente mergulhada
soprava em seus olhos o desenho das letras que outrora embaralhadas, agora tinham
o tom do céu do mar. clara ama o mar. clara ama o céu. clara ama olhar o céu e
o mar juntos. clara ainda acredita que céu e mar – seus maiores amores,
seu mais profundo temor – se encontram no ponto exato onde já não mais seus
olhos mortais distinguem, ar e água.
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